Pro-Civitas: Unidos por um Bairro Melhor
Entrevista com Flávio Carsalade

Biografia: Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (1979), Mestrado em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997) e Doutorado pela Universidade Federal da Bahia (2007). Foi presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (1999-2002) e do Instituto de Arquitetos do Brasil/ Departamento Minas Gerais (1995-1998) e Secretário Municipal de Administração Urbana Regional Pampulha da Prefeitura de Belo Horizonte (2004-2007). É Professor Titular da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, tendo nela ingressado em 1982, onde foi seu diretor (2008-2012) e seu vice-diretor (1988-1991). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planejamento e Projetos da Edificação e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: projetos arquitetônicos e urbanísticos, patrimônio cultural e ensino de arquitetura. Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq (201-2021). Atualmente é Diretor da Editora UFMG e Presidente do ICOMOS Brasil.
A Pro-Civitas
ENTREVISTA COM FLÁVIO CARSALADE
Arquitetura, Patrimônio e o Futuro da Pampulha
Uma conversa especial com o arquiteto e urbanista Flávio Carsalade, referência nacional na área de patrimônio cultural e um parceiro histórico da Associação Pro-Civitas.
Flávio iniciou seu trabalho como Secretário Municipal de Administração Urbana Regional Pampulha da Prefeitura de Belo Horizonte justamente no mesmo período em que a Associação Pro-Civitas foi criada. Desde então, estabeleceu-se uma sólida e produtiva parceria em defesa do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha, com importantes contribuições técnicas e institucionais ao longo dos anos.
Com o reconhecimento da Pampulha como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 2016, novas responsabilidades foram assumidas pela cidade para garantir a preservação e integridade do conjunto. Entre as exigências da UNESCO e da Prefeitura de Belo Horizonte, está a demolição parcial do anexo do Iate Tênis Clube, construído posteriormente ao projeto original.
Para atender a essa exigência, a Prefeitura abriu um procedimento formal e o arquiteto Flávio Carsalade foi convidado pelo próprio clube para elaborar um novo projeto arquitetônico que respeite as diretrizes da UNESCO e dialogue com o legado de Oscar Niemeyer, mantendo a identidade do espaço e seu valor cultural.
A Associação Pro-Civitas reconhece a importância do título de Patrimônio da Humanidade para Belo Horizonte, e entende que este é um momento de união de esforços por um objetivo maior: preservar um dos maiores ícones da arquitetura moderna mundial.
Agradecemos ao professor Flávio Carsalade por sua valiosa contribuição à nossa história, à Pampulha e à nossa cidade.
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Biografia Resumida: Flávio Carsalade
Flávio Carsalade é arquiteto e urbanista, com graduação (1979) e mestrado (1997) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutorado pela Universidade Federal da Bahia (2007). Tem vasta atuação na área de patrimônio cultural, arquitetura e urbanismo, sendo uma referência nacional.
Foi presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Minas Gerais (IAB-MG), além de Secretário Municipal da Administração Urbana da Pampulha (2004-2007). Atua desde 1982 como professor da Escola de Arquitetura da UFMG, onde também foi diretor (2008-2012).
Atualmente, é diretor da Editora UFMG, presidente do ICOMOS Brasil (conselho internacional para monumentos e sítios, órgão vinculado à UNESCO) e foi bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq (2010–2021).
- Introdução:
Gostaríamos de começar destacando a importância da parceria entre a Associação Pro-Civitas e o ex-secretário regional Flávio Carsalade, que assumiu a Secretaria Regional da Pampulha logo após a criação da associação, em 2003. Sua sensibilidade, aliada a uma formação sólida em arquitetura e urbanismo, e uma visão estratégica para o desenvolvimento urbano, fizeram dele um parceiro fundamental. Ao longo desses anos, sua contribuição foi marcante, estabelecendo um diálogo construtivo entre o poder público e a sociedade civil, o que resultou em avanços significativos para a região.
- Perguntas:
- Como o senhor avalia sua contribuição para a Regional Pampulha, considerando o papel de destaque que desempenhou desde sua criação?
Estar à frente da Regional Pampulha foi uma experiência muito importante para mim. Á época, a Regional funcionava como uma subprefeitura e estava à frente da execução administrativa e das políticas públicas. Como não sou vinculado a partidos políticos e nem tenho pretensões de carreira política, procurei contribuir de forma técnica, a partir da minha formação de urbanista. Assim, procurei cuidar do meio-ambiente (incentivando, por exemplo, a reciclagem do lixo), do patrimônio cultural (contribuindo para soluções de poluição da lagoa), do equilíbrio urbano (criando pactos e implementando a ADE Pampulha), dentre outros aspectos.
- A Associação Pro-Civitas reconhece o senhor como o parceiro mais próximo e atuante nesses 22 anos de história. Na sua opinião, qual legado mais significativo o senhor acredita ter deixado para a Pampulha?
De minha parte, também reconheço a Associação Pro-Civitas como uma das mais importantes e atuantes em defesa da Pampulha, cumprindo o papel ativo que caracteriza uma cidadania plena. Não saberia destacar um legado mais significativo, mas talvez tenha deixado um exemplo de respeito às demandas dos habitantes da Pampulha, sabendo ouvi-los e procurando atende-los com eficiência e seriedade. Pena que muitos sonhos que tinha para a Pampulha ficaram na vontade, porque cabia à Regional um papel executivo, enquanto o planejamento era centralizado e nem sempre aberto à contribuição de quem via de perto os problemas dos moradores e do território urbano.
- Na sua visão, qual é o papel de uma associação de bairro no contexto urbano atual e como elas podem fortalecer o diálogo com o poder público?
A cidade são seus cidadãos. Se eles se omitem do cotidiano da cidade, se eles não se importam com o futuro, se eles não deixam claro seus anseios e insatisfações, eles deixam a cidade nas mãos de interesses particulares. As associações de bairro fazem com que a voz da cidadania seja mais forte e pressionam as autoridades a tomar caminhos que sejam de interesse mais coletivo. São locais de debates e criação de consensos entre moradores de vizinhança e, portanto, exercem reflexões importantes sobre o destino e o controle urbano. A participação das associações se dá de diversas maneiras, na participação em conselhos, na presença na mídia e redes sociais, na pressão política e esses canais, quando bloqueados, devem ser reivindicados, por serem legítimos. Acredito que associações mais fortes, como a Pró-Civitas podem inclusive construir uma agenda de proposições, além de sua luta cotidiana na tentativa de corrigir descaminhos do dia-a-dia.
- Sobre o processo de tombamento da Pampulha, quais desafios o senhor enxerga em relação às adequações necessárias e como acredita que esses impasses poderão ser solucionados?
O tombamento da Pampulha foi desde sempre um importante agente na sua proteção. Graças a ela, evitamos a verticalização da região, uma proteção ambiental que se não de todo eficaz, pelo menos, atenta e um equilíbrio de usos. O grande desafio da Pampulha segue sendo a saúde da Lagoa e, como ela não se resolve na própria vizinhança da lagoa, ela se estende a outras regiões da cidade e até mesmo a Contagem, envolvendo gente que nem tem compromisso com ela. Vários passos foram dados, notadamente os avanços de 2003 a 2005, mas, de lá para cá, a PBH não cumpriu seu papel de retirar anualmente os sedimentos que chegam à lagoa e que ficam retidos no braço aquífero entre o Parque Ecológico e o Zoo. O resultado disso é que eles voltam a se espalhar na Lagoa. A consultora da UNESCO que examinou a candidatura a patrimônio mundial detectou a ausência de um plano turístico sustentável para a região. Há também problemas a serem equacionados referentes ao destino de casas que não tem mais interesse de moradia pelos herdeiros e que não conseguem compradores. Além é claro dos problemas de controle urbano e fiscalização de uma região tão ampla e tão sensível.
- Como o senhor imagina a Pampulha no futuro próximo e, em uma perspectiva de longo prazo, quais seriam os principais desafios e oportunidades para a região?
O futuro próximo da Pampulha depende da solução das questões apontadas na pergunta anterior, mas entendo que o seu potencial cultural, turístico e de lazer está subaproveitado ou mal conduzido. Não há por exemplo, um calendário de eventos que discipline essa profusão que hoje vemos ocorrer; não há uma visão ampla de todo o território da lagoa para distribuir melhor esses eventos; há aberrações como utilizar o Mineirão para competições como o stock-car; não há uma visão clara quanto a equilibrar as funções de lazer com as de moradia. Estando a Pampulha na direção do Vetor Norte, escolhido pelo Plano Diretor, como o de expansão da capital, outras oportunidades e ameaças podem surgir, por isso esse controle urbano é tão necessário. A Pampulha é um destino de lazer não só do belorizontino, mas também de municípios vizinhos e para isso ela deve estar preparada: não há um trato da orla com banheiros públicos, por exemplo e outros equipamentos urbanos de receptividade; há problemas de tráfego de passagem pela orla no São Luiz e próximo ao Zoo; o Iate Clube precisa ser requalificado como exige a nomeação da UNESCO; enfim, me parece faltar um plano urbano específico para a Pampulha que lhe ampare e prepare o seu futuro.
- Qual é a sua percepção sobre o papel das Áreas de Diretrizes Especiais (ADEs) e dos Fóruns das áreas de Diretrizes Especiais (FADES) no planejamento urbano da Pampulha?
As ADE’s, como o próprio nome indica são áreas especiais da cidade que merecem uma atenção diferenciada em razão de seus atributos que a tornaram especiais. Os fóruns das ADE’s foram criados exatamente para permitir a troca entre a administração municipal e os moradores/ usuários desses locais, em uma perspectiva democrática e participativa. Vejo, com tristeza, que seu funcionamento depende do governo de plantão porque para alguns deles, a participação atrapalha, como se a cidade fosse deles e não dos cidadãos. No caso da Pampulha, o FADE seria essencial pois é uma região onde surgem muitos conflitos entre sua vocação de cultura, turismo e lazer e as moradias.
- Como você vê o papel do Comitê Gestor do Conjunto Moderno da Pampulha?
O Comitê Gestor é uma exigência de todo conjunto urbano considerado patrimônio mundial. A UNESCO entende, a meu ver acertadamente, que a participação popular legitima o reconhecimento como bem cultural, afinal o patrimônio não é algo para si próprio, mas para as pessoas. O comitê gestor tem uma função de monitoramento do bem que é imprescindível à sua sobrevivência saudável. No caso das Pampulha, ele integra todos os agentes municipais, estaduais e federais que têm atuação ali. Ali estão secretarias municipais que cuidam do lixo, do meio-ambiente, do trânsito, do turismo, da cultura, dentre outros, órgãos estaduais como a Copasa, o Iepha e federais como o IPHAN. Mas há também uma participação importante da população que se representa através de associações de bairro, clubes e outros segmentos populares. Vejo que o Comitê Gestor é um excelente fórum de soluções integradas e negociadas para a região.