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O Globo – 24 / 09 / 2014

 

Urbanista que revolucionou as moradias em Cingapura depois do fim do domínio britânico está em São Paulo para participar de um fórum internacional onde dirá: com planejamento, Brasil pode acabar com favelas

“O problema de planejamento urbano não tem a ver com o tamanho do país, mas com o tamanho da região que você vai transformar.”

Em 25 anos, o programa de construção de casas populares do governo de Cingapura tirou 1,3 milhão de pessoas de terras invadidas, favelas e colônias de assentamento. Hoje, 82% da população da cidade-estado vivem em imóveis construídos pelo governo em um conceito de cidades compactas, onde emprego, serviços públicos, lazer e moradia estão a poucos quilômetros.

 

Junto e misturado.

Um dos responsáveis por essa transformação, ocorrida após o fim do período de colonização britânica, a partir dos anos 1960, foi o arquiteto e urbanista malaio Liu Thai Ker, que esteve à frente da Autoridade de Desenvolvimento Urbano de Cingapura por 20 anos. Presidente da consultoria Center for Liveable Cities (Centro de Cidades Habitáveis), Liu está envolvido em projetos de planejamento urbano em 12 países.

Em sua primeira visita ao Brasil, onde participará hoje do fórum internacional de arquitetura e urbanismo ArqFuturo, Liu pretende mostrar como a experiência de Cingapura pode ajudar a resolver problemas de moradia do Brasil. Segundo ele, uma das chaves para a questão é planejar as cidades na menor unidade possível, bairros de 100 mil a 200 mil pessoas, para, a partir daí, criar metrópoles onde se possa viver melhor.

Em entrevista ao GLOBO, o urbanista afirma que a experiência de Cingapura ao construir casas populares em larga escala poderia ser perfeitamente aplicada no Brasil e que, com planejamento, o tamanho do país e a falta de dinheiro “não são desculpas”.

 

O que o senhor pretende mostrar a respeito do programa de casas populares de Cingapura?

Quando os britânicos saíram de Cingapura, tínhamos 1,9 milhões de habitantes. Desses, 1,3 milhões de pessoas viviam como invasores ou em favelas. Foram 25 anos, de 1960 a 1985, para colocar todas essas pessoas em casas populares. Em 1985 não tínhamos mais invasores.

 

Como foi possível eliminar os sem-teto?

No começo, tínhamos que construir casas para os pobres. Mas não para os mais pobres, e sim para aqueles que poderiam pagar aluguel. Do contrário, teríamos falido. Com isso, a indústria da construção se tornou mais forte. Depois, começamos a fazer casas para aquelas famílias que poderiam pagar pela compra do imóvel. E fomos aumentando a faixa dos beneficiários do programa aos poucos. Com esse dinheiro, pudemos construir casas para aqueles que não tinham como pagar nem pelo aluguel. Hoje, qualquer família que ganha menos de US$ 10 mil por mês pode concorrer a uma casa popular. Imóveis são tão caros em Cingapura que, mesmo que você ganhe esse valor, não consegue comprar. Além disso, 82% da população lá vivem em casas populares. E desses, 91% são proprietários. Mesmo aqueles que, no início, pagavam aluguel tiveram a opção de comprar. Você não vai achar isso em nenhum outro país.

 

Como os bairros foram projetados?

Em cada um desses novos bairros temos pessoas que eram invasoras, pessoas que eram muito pobres, profissionais liberais, jovens empresários. Então, nossa cidade não tem guetos de pobres nem áreas nobres. Quando construímos um novo empreendimento, deixamos áreas para casas próprias, para aqueles que ganham bem. Então, os ricos não querem ficar em condomínios afastados: você tem um espectro da sociedade. Não construímos só uma cidade-dormitório, mas sim uma comunidade.

 

Os serviços públicos foram planejados junto?

Numa região onde moram 100 mil, 200 mil pessoas, 44% da terra são para casas. O resto é usado para vias, hospitais, escolas, parques, indústrias. Fizemos uma grande análise de dados. Sabemos que, para esse tanto de população, precisamos de uma escola primária ou secundária. Esse tipo de coisas a população não tem como saber. Fizemos o plano, desenhamos todos os prédios, fizemos os contratos com as construtoras e fizemos a gerência dos empreendimentos, o que é muito importante. A maior parte das pessoas pode viver lá, trabalhar lá. Isso dá qualidade de vida para as pessoas. Você não perde tempo viajando. E isso reduz o número de congestionamentos.

 

O senhor acha que o trabalho foi mais fácil por envolver apenas uma esfera de governo? No Brasil, temos a União, os estados e os municípios.

Certamente, por só ter um governo, que é nacional e municipal, o processo de tomada de decisões em Cingapura é muito mais rápido. Hoje, a cidade tem 5,4 milhões de pessoas. Por outro lado, não importa o tamanho do país. Quando você quer construir casas, você tem que quebrar o país em províncias; as províncias, em cidades; as cidades, em bairros. O problema de planejamento urbano não tem a ver com o tamanho do país, mas com o tamanho da região que você vai transformar. Tenho falado no conceito de cidades-constelação. Você tem que dividir essa cidade em cidades menores, separadas por cinturões verdes. Depois, separa em distritos, novos bairros. Pessoalmente, acho que a experiência de Cingapura é aplicável em qualquer país, de qualquer tamanho, desde que você esteja pensando em cidades, não no país inteiro.

 

Os governos costumam dizer que não têm dinheiro para dar escala a programas de habitação popular. Como Cingapura lidou com isso?

A despeito de termos subsidiado a construção de casas para 81% da população, Urbanista acho que o governo está ganhando dinheiro no fim. Primeiro, tem-se que desapropriar a terra para fazer a casa. O valor é dividido de acordo com o uso que essa terra tem hoje. Se o proprietário não a está usando, o valor é mais baixo. Além disso, o que não é moradia não é subsidiado. Se você quer construir uma loja ou uma fábrica naquele bairro que está sendo reurbanizado, tem que pagar ao governo. Estacionamento é outra coisa. Se você quer usar um carro, tem que pagar pelo uso das ruas e pelo lugar onde vai deixá-lo. Além disso, depois de ter as casas, as pessoas conseguem emprego e pagam impostos. A taxa de desemprego hoje é de 1,6%. Então você cria um círculo virtuoso.

 

Estamos enfrentando em São Paulo um problema grave de falta d’água. O que Cingapura pode dar de exemplo?

Compramos água da Malásia, mas o país disse que quer cortar o abastecimento. O governo deve sempre pensar muito à frente. Hoje estamos a ponto de ser totalmente autossuficientes em água. Continuamos com a água da Malásia, mas hoje temos um sistema que reserva 60% de toda a água da chuva e esperamos aumentar isso para 90%. Além disso, temos um dos maiores parques de dessanilização da água do mundo.

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